Apenas entenda e não me repreenda.
Entenda,entenda.
No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do
deserto – preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar
seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer
assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade
enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo.
Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu
próprio – tão cansado, tão causado – qualquer coisa vasta e abstrata
quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o
de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O
caminho de encontrar num outro humano, o mais humilde de nós. Então
direi de boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo
molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios – que
importa? — Caio Fernando Abreu