Ficou
sentada dentro do carro, segurando com ambas as mãos o volante do carro, olhando
para a casa… dele, sim, dele. Olhava fixamente para a casa onde passava mais
tempo do que o próprio tempo lhe oferecia. Lá era onde tomava café da manhã,
onde cuidavam dos cachorros, onde faziam e desfaziam planos.
Os
devaneios eram muitos… Alguém ou em algum dos livros que leu, já profetizava:
“as separações não nos separam de quem amamos ou amávamos nunca porque não se
separa de uma pessoa, mas de tudo que vem junto.” Ou seja, a hora de acordar, o
café que só ele sabia fazer, o carinho dos olhos que se encontram no meio do
nada e no meio da multidão, a chegada tarde da noite, as risadas ao relembrarem
as piadas do Je… Levaria tempo para separar-se das lembranças, das cartas, dos
presentes…
Olhava
a casa e sabia cada coisa que ele estava fazendo. Depois da briga, devia estar
sentado em frente à TV ou deitado na rede, enquanto os cachorros, o Bandido e o
Velhaco tentavam, sem êxito, chamar sua atenção. Estaria chorando? Imagine, ele
não chorava: apenas se enclausurava em seu mundo enquanto as órbitas, as
estrelas, os universos paralelos se fechavam cada vez mais.
Dentro
do carro, ela gritava, descontrolada, tentando bem de leve colocar passo a passo
cada detalhe dos livros de auto-ajuda que leu, decorou… principalmente aquele
cujo título era tão triste que ela pediu para um amigo gay comprar e ele, p da
vida, comprou, virou cúmplice, mas nunca iriam esquecer a cara incrédula da
vendedora.
-
Pronto, agora além de gay, sou cross dresser, mas hoje decidi ser mais
humildezinho e nem pedi pra usar o banheiro feminino.
Fazia
tempo que não ria. Lembrou-se do caso Laerte, o cartunista, que se envolveu em
uma polêmica: foi impedido de usar o banheiro feminino de uma Pizzaria já que é
transgênero e se veste, desde 2010, como mulher.
De
repente, o amigo gay que não tinha trejeito, era mais macho que muito hetero,
segurou suas mãos e nem pensou se iria doer, mas disse:
-
Não adianta mais e é por isso que esses livros vendem como antidepressivo, minha
flor. Porque são a eles que você recorre quando tudo já foi por água abaixo,
quando o jantarzinho romântico foi uma encenação de uma peça silenciosa, tipo
aquelas peças cabeça do Zé Celso que metade do público, tirando os atores e
atrizes, não vai entender o motivo de tanta gente pelada, aquela suruba cósmica
em nome da arte (sic), mas que todos aplaudirão, comentarão que foi atroz,
desafiador e blábláblá quando, na verdade, ficam mudos por dentro e aí vão tomar
um chope. Acorde, it is over, acabou-se. Todo amor é um descanso na loucura ou
da loucura. Quem disse isso, querida?
-
Guimarães Rosa. E você errou. Ele diz: “Só se pode viver perto de outro, e
conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já
é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.
-
Então, baby, se não há mais amor, não há saúde. E não é este livreco e nem eu
que irão te ajudar porque primeiro: você não está poderosa, você engordou, está
uma lástima, está o uó.
Nenhum
livro nesse momento apaziguava a dor.
Lembrou-se
do primeiro abraço e foi naquele exato momento logo após o nosso primeiro
encontro que, muito esperto, ao invés de me beijar, você me abraçou longamente e
aí se danou. Minha teoria me diz que quando um homem abraça uma mulher
demoradamente, mexe com uma parte do cérebro dela, que faz com que ela sinta
muita confiança nele. E, para que a gente não sofra depois, temos que pensar bem
se o abraço vale à pena. Eu achei que valeu, que valeria.
A
minha agenda da expectativa naquele dia estava sem nada, vazia. Acredite. E a
sua? Estava marcado: achar a primeira idiota, bonita, com o cabelo bem-cuidado,
sem saber se ela faz progressiva ou não e voilá: ficar alguns anos com ela até
que o sino do “ah deu, deu, meu amor, tocasse!”
Enfim,
me diz, me diz, pode haver algo mais estranho do que um ser vivo se apoderar da
própria vivacidade apenas de vez em quando, somente em circunstâncias chamadas
de especiais?
Ah,
desse calor, Marie Claire, Cláudia, Vogue, a mulher do meu orientador falam, até
a Oprah fala, pô, mas ninguém explica como apagar. E é aí que você sente aquele
amor imenso – por tudo, por qualquer coisa: pelo trânsito caótico, pelos
passarinhos e até pela periguete que ficou dançando a dança do acasalamento para
ele na minha frente com o collant que hoje chamam de vestido, com aquele salto
de 15 cm, gladiador, aquele cabelo até o traseiro, pintado de louro com cachos
feitos com baby-liss.
Ódio
dela? Imagine. Eu tinha vontade de abraçá-la e dizer: “calma, meu amor, porque
você vai encontrar alguém assim como eu. Pode dançar, faz a nossa festinha, mas
quem vai dormir agarrada a ele sou eu, quem vai ser beijada por ele sou eu, quem
vai ter os filhos dele sou eu e eu, veja só, nem precisei me matar nesse salto
alto que devia ter uma etiqueta junto escrito “advertimos que esse produto
provoca graves problemas de escoliose.”
Ironia
da vida!
Pois
é: a gente nunca sabe quando e como começa, a gente nunca sabe de nada… e te
vejo daqui. Acomodo-te no meu coração, bem lá no cantinho, pra nunca te deixar
ir. Guardo-te. Já faz tempo que você vive dentro de mim, benzinho! A gente não
escolhe, só sente. E diz que sim ao desconhecido. E se reconhece nele. A onda
que bate aqui é forte, mas a maré vai diminuindo. Qualquer dia desses o mar vira
vinho… seco, ou suave.
A
partir de agora quero um reencontro comigo, com a diferença de que dessa vez não
é qualquer pessoa que vai me desviar do que eu realmente quero. Não me anulo por
mais ninguém!
Dou
partida no carro, me olho no espelho e eu sei, ah como eu sei, como você sabe
que ficou com a chave de uma porta que nunca mais vai se abrir. E onde mesmo eu
vi aquela sandália poderosa de 15 cm… e gladiadora? E o cabelo?! Algumas luzes
cairiam bem, hein?!
-
Ai, como eu tô bandida!
Estado
civil: apaixonada por ela! Ou pelo menos, começando.