domingo, 29 de julho de 2012

Fazer escova é uma coisa muito depressiva...

E depois que eu li esse livro, alguma coisa mudou aqui dentro: entendi que não quero ser outra pessoa alem de melhor, mas cabe a imagem de mim mesma, o meu auto-amor e a vontade absurda de sair por aí, cantando com a minha voz desafinada de mosquito que eu não queria ser como a Cássia Eller... eu quero ser é Karina.
O mundo, minha senhora, não é somente aquilo que disseram para a senhora que é. O mundo é bem maior que essa sua cabecinha.

"Ficaram novamente em silêncio. Desta vez, na espécie de silêncio que ocupa espaço. O silêncio que, descrito numa folha de papel, deveria ser assim: ( .)"
 
"É uma besteira você pensar que pode moldar alguém. Criar. O que é isso? Pra mim, só se cria pintos, hamsters, gatos, cachorros. Filhos você põe no mundo. Com a sorte da surpresa ou o azar da decepção nas mãos do destino. Se o seu destino for ter um filho estúpido, você terá. Se existe alguém que pode mudar um filho, não são os pais dele".

- O meu é crítico e decepcionado.
- Mas você é tão bonito.
- Eu sou exigente.
- Sei como é.
- Por que você não evita de se olhar?
- Impossível, um espelho é um espelho".

"Com mãe é sempre mais complicado. Há o aspecto visceral, há as ligações intrínsecas. Mãe acha que filho é um órgão dela, ambulante, fazendo o que não deve por aí; e que ela, de um modo metafísico qualquer, ainda pode devolver lá para dentro aquilo que lhe pertence. Talvez devorando Aniquilando. Porque mãe gosta de mostrar poder, fazer filho sofrer. Filhos dó deixam de sofrer no dia que param de dar ouvidos às chantagens maternas. Então eles sentem que o órgão flutuante, mais seguro de si, rompeu a linha e voou."


"Pois as fêmeas sempre arcaram com a pior parte da espécie humana sobre a Terra. Parir, perdoar e varrer a casa".


"Porque as mulheres só conquistam alguma coisa - essa é a saga - quando se agarram a oportunidades. Quando não podiam comer carne, mas apenas dos restos, por serem desprovidas de força para caçar, engravidavam e eram mais bem alimentadas. Um agudo senso de ocasião as guiava a tirar proveito. Mulheres espertas sempre dão um jeito. É isso: dar um jeito trata-se de um instinto feminino que confere antropologia ao oportunismo. Ou seja: dar um jeito é darwiniano, é se aproveitar das chances favoráveis. E Ariana estaria, a partir daquele instante, inteiramente consciente de que seu oportunismo não era uma falha de caráter, mas uma qualidade do seu sexo. Sim, é verdade, nem todas as mulheres são oportunistas - porque algumas são burras. Pronto. Ariana passava a se sentir satisfeitíssima com as suas novas conclusões. Assim foi adiante: são as mulheres burras as únicas que condenam esse inato senso de oportunidade. Inclusive os homens o aprovam. Apoiar essa aptidão feminina é defender a natureza. E pensar que um dos grandes estratagemas do feminismo foi tentar convencer as mulheres de que elas não precisavam dos homens para vencer na vida. Mas - porra! - vencer na vida, na vida de algumas mulheres, quer dizer sobreviver. Ou conseguir uma boa barraca na praia. O que, no final das contas, é a mesma coisa".

"A felicidade é desse jeito mesmo: escorre rápido. É um líquido. Um tipo de líquido, só que bem grosso. Um fluido. Algo com uma consistência coloidal. Isso, como uma clara de ovo. Não. É menos denso que uma clara de ovo, é feito sangue. Exato, felicidade escorre que nem sangue pelas pernas de uma mulher. Veloz, mas não tão veloz quanto a urina. Ariana colocou de volta o sutiã. Bruno entendeu tudo. Incrível, mas é real: existem tipos de gente que entendem os outros tipos de gente".

"Mulheres são assim depressivas. Pois transformam simples simples vontades em necessidades vitais e, diante de uma transitória impossibilidade, distorcem as sensações até torná-las insuportáveis. Uma espécie de TPM zodiacal, algo meio físico, meio metafísico, energético, quem sabe, bioquímico, com certeza, que lhes ataca as idéias, enlouquecendo-as. E, por uns segundos, ela pensa em se jogar na frente de uma Kombi que está vindo.

"Fazer escova é uma coisa muito depressiva. Uma pessoa que precisa fazer escova nos cabelos pra poder sair de casa é alguém que merece comoção universal".
 

"Estão serenos. Serenos como deveriam ser aqueles que se sabem amados."

 "Ariana já foi até mulher de provérbio. Mulher que não era de capinar sentada. Mas o dinheiro, digamos, fácil, eliminou alguns afazeres, realmente, sem graça. Aí aconteceu aquilo que é inevitável, nas vidas daqueles que não mais precisam se obrigar a compromissos chatos: deixar de ter os pequenos prazeres que vêm de cumprir aquelas chatices. Chatices que são os prazeres da vida. Devolvam as minhas chatices imediatamente! Quero ter que fazer a feira! Faço questão de pesquisar os preços e reparar nas datas de validade. De ligar para a Sunab. De reclamar no Procon. Ser fiscal do Sarney. Calma, não, essa última foi forte demais".


"Mulheres são assim: muitas. Brigando, sempre, para tomar delas mesmas o espaço que entendem ser negado a elas. As mulheres - inimigas das mulheres - são suas piores adversárias. Lutam até o fim para acabar consigo próprias. Uma titica, realmente".



“Mulheres são assim dramáticas. Exageradas, excessivas. Mas quando é necessário encarar uma boa mesa de operação, seja para tirar uma mama ou lipoaspirar um culote, fazem-se a sensatez em pessoa. Fortes, jamais fogem feito homens. Homens adiam médicos enquanto sentem dor. Morrem de medo de exames, não suportam a idéia de vasculhar doenças. Preferem ter um saco deformado a fazer uma cirurgiazinha na próstata. Mulheres são acostumadas com dor. O primeiro dos homens não tinha sequer nascido e a primeira das mulheres já sofria o primeiro dos partos. Mulheres adoecem todo mês. Muitas se dobram de cólicas. Outras têm o humor estraçalhado em pedaços. Todas incham, engordam à toa. Esquenta, esfriam. Ficam medonhas. Marmanjonas com peles explodindo em espinhas. E depois, quando engravidam, vem aquela saga maldita que todo mundo conhece: enjôos, depressões, bexigas soltas, estrias. Então amamentam, amamentam, e voltam a sangrar. Mas, aí, já estão tão esgotadas dessa lenga-lenga maternal que clamam por um o.b., um modess, uma colicazinha pelo amor de Deus. Passam-se os anos e, com eles, outras gestações, filhos ingratos, maridos ausentes, rugas. Um belo dia, pimba: frios, calores, frios, calores. Confusão mental. A temporada esquizóide que chamam menopausa. Finalmente elas estão maduras e malucas. Sim, as fêmeas são dramáticas. Não, não vão sobreviver a uma cara repleta de perebas. Choram e riem.Tudo parte de um grande estratagema cênico, algo para disfarçar o grande e verdadeiro drama: nascer mulher”.


"Caminhos inevitáveis. Não existe jeito de se escapar de um destino quando só se tem um destino pela frente. Sentido obrigatório. Papo cabeça”.


“Ariana não fez uma promessa, nem está doente. Apenas cansou-se de estar sempre tons acima ou abaixo do que é ser ela. Do que deveria ser ela”.


"O fato é que estavam amedrontados com aquela involuntária proximidade. Não havia incômodo. Havia reticência”.


"As mulheres – as sábias – têm a capacidade de ficar mais belas durante os desesperos. Ela está, hoje, com esse tipo de beleza sobrevida. Sobrevivendo às mazela da sua vida, que não é tão desgraçada quanto outras várias por aí, mas mazelas são mazelas, e aquelas são as dela”.


"Olhos de preconceito são a pior deformidade para um rosto”